Há pouco tempo atrás escrevi contando como foi legal uma viagem em trem noturno da Edimburgo na Escócia para Londres na Inglaterra(Veja aqui). Esse trecho fazia parte de um acréscimo feito às pressas em um roteiro que não incluía a Grã Bretanha. De Londres precisaríamos necessariamente voltar a Paris. Como a data da viagem relativamente próxima, os preços das passagens de avião e de trem estavam bastante caros.

Foi então que me lembrei da existência do percurso por ônibus. Como tive uma bem sucedida experiência anterior viajando de Berlim a Praga, fiquei animada quando encontrei passagens a 22 libras pela Eurolines. Contrariando meu hábito de pesquisar a opinião de quem já usou o serviço, não pestanejei: comprei as passagens. O ônibus partia de Londres às dez e meia da noite permitindo que eu aproveitasse a cidade até a última gota. Às sete e meia da manhã eu estaria em Paris, em uma estação de metrô com o dia inteiro pela frente. Perfeito!

Chegou a tal noite. No Terminal de ônibus de Victoria em Londres, não encontramos nenhuma sinalização, balcão nem vivalma que pudesse nos informar o local da partida do ônibus. Depois de muito rodar, achamos uma lojinha escondida da Eurolines com uma enorme fila e apenas um guichê funcionando. Seria necessário trocar a passagem impressa que já tínhamos por uma espécie de cartão de embarque que não sofreu nenhuma conferência posterior.

Pouco depois, estacionam na porta dois ônibus idênticos sem nenhuma indicação do destino. Foi complicado descobrir, mas tivemos sorte e não embarcamos para Amsterdam. O sono já estava batendo, quando chegamos a Dover. Longa parada na imigração, luzes acesas, passaportes recolhidos (medo!) e tome de esperar…

Liberado, o ônibus segue até o porto entrando na fila de embarque do navio que vai atravessar o Canal da Mancha. As portas são abertas e alguns passageiros descem para e esticar as pernas.Quinze minutos depois,todos voltam a seus lugares e o ônibus adentra no navio.Assim que estaciona, desce todo mundo de novo.Sem nenhum aviso percebemos que é para nos dirigimos a um andar de passageiros. Seguimos a maioria, que sobe uma escadaria que acaba em uma porta fechada, por isso a fila não anda. Voltar atrás não daria: os compartimentos inferiores para os veículos ficam fechados durante a travessia.

O navio parte e os passageiros do ônibus esperam mais uns dez minutos até que alguém abra o acesso aos andares superiores. A maioria dos bares está fechada, é madrugada. Alguns sortudos arranjam uma poltrona confortável para tirar um cochilo de pouco mais de hora e meia. No dia em que viajamos o vento estava muito forte . O modo “conquistador dos mares” estava inoperante, sem ânimo para subir no deque superior para encarar o frio e o balanço das ondas.

O navio atracou suavemente em Calais, na França. Se estivesse dormindo possivelmente não teria notado o movimento e reembarcado no ônibus, que partiu rapidamente sem contagem dos passageiros. De novo na estrada e cobiçando um cochilo,vejo minha pretensão sepultada. Em menos de uma hora, outra parada. As luzes são acesas. Dessa vez é polícia alfandegária francesa, que adentra pelo ônibus nos proporcionando cenas explícitas de revista em alguns passageiros. Com o dia clareando, já não dava mais para dormir. Chegamos bastante cansados em uma chuvosa manhã parisiense.

Acredito que tenha nos faltado um pouco de espírito esportivo na ocasião. O planejamento foi feito às pressas, e não sabíamos como a coisa funcionava. Deveríamos ter sacrificado o tempo em uma das duas cidades e programado a travessia durante o dia aproveitando para do tombadilho contemplar o Mar do Norte.

Viajar de ônibus pela Europa pode ser uma solução barata e logisticamente mais vantajosa do que fazer diversas baldeações de trens, mas tem seus percalços. O transporte rodoviário não é uma alternativa tradicional nem popular, por isso tem uma infraestrutura precária. Muitas cidades sequer têm rodoviárias, e a indicação dos locais de onde partem os ônibus não existe ou não é facilmente identificável. É muito estressante.

Não descarto esse tipo de transporte, mas ele será a minha últimíssima escolha. Como tenho tendência a inventar roteiros não muito usuais, essa alternativa pode (espero que não) ser a mais apropriada. Como passei depois por outra experiência também desagradável, virei gato escaldado.

É bom ter em mente que: A Eurolines não é exatamente uma “empresa”. A marca é um acordo entre diversas empresas de ônibus pertencentes a vários países europeus, que oferece percursos exclusivamente internacionais. O viajante tem necessariamente que se deslocar de um país a outro. As passagens podem ser compradas online, na página do país de onde se parte, e sim, devem ser impressas.- O episódio em Londres foi exceção.

Tempos depois, conversando com um amigo que morou em Paris e que frequentemente visitava Londres, soube que ele fez algumas vezes esse trajeto de ônibus. Essa travessia é um recurso utilizado quando se está duro e atende pelo codinome de “Les Miserables”.